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Mostrando postagens de janeiro, 2018

Erosão

Digo que cheguei com os dedos Pra tocar seus ouvidos com a língua muda.  Digo que mudei os desejos embora eles surjam quando a viagem é profunda. Conto as moedas pra quitar o débito que já venceu como se desfez o vento. Quem sabe não fico imóvel e em silêncio como uma estátua grega que perdeu as cores mas não está em ruínas e nem imunda? Quem sabe por quanto tempo é a espera? Com que pressão atmosférica um gesto se torna intenção, força e movimento?

Rarefeito

Se eu respirar bem devagar inflando os pulmões como lençóis da caravela eu irei a nenhum lugar. Se eu inflamar o ar do peito enquanto a carne derrete embaixo dos cabelos talvez eu só me desfaça em cinzas. Se entre as costelas e vértebras se acomodarem nuvens e paisagens,  que eu inspire devagar...  Mas que a beleza que passa entre os olhos  revele também os meus erros. Certamente ao expirar somos todos soprados rarefeitos.

Pelúcia

No apartamento de janelas enormes vivia o gato Lucrécio, o cão Balbino e João. João estava de frente à janela enquanto esperava o sono vir, observando as poucas pessoas passando à distância como fantasmas. Do lado de dentro as quinquilharias se acumulavam para dar coerência à vida de João. Pelo chão havia pêlo de animais, moedas, poeira, papéis amassados e símbolos de desistência. João andava pelo apartamento olhando pro lado de fora e percebendo que seu reflexo no vidro também parecia um fantasma. Terminando o último cigarro, decidiu que ia dormir. Saltou e chutou os entulhos no chão até encontrar a própria cama. Olhou em volta antes de dormir e percebeu os olhos brilhantes de Lucrécio escondidos no meio da bagunça e o rabo de Balbino sacudindo devagar. Com um assovio, os dois subiram na cama e deitaram com João, como sempre faziam. Balbino tomou o lado da cama que há muito tempo fora habitado por mulheres e Lucrécio deitou nas costas de João, que por sua vez dormiu de barriga

Armadura

Eu estou vestido com as roupas e as armas de vento. Tô no caminho do meio, de pé como as cinzas de um incenso que já acabou. Isso é equilíbrio? Eu estou com placas de metal e de espírito para que eu sangre menos, deitado à beira da beirada do cu, porque onde estou não combina com o drama de um precipício. Eu tô num recomeço de esforço desfeito e auto-infligido mas vestido com a armadura porque eu já esperava pelo golpe certeiro.