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Mostrando postagens de 2016

Café

A vida tá ali na meiúca entre a dopamina e a serotonina, na escolha entre mulher e menina, no começo da escola e quando ela termina, e nos intervalos para café. As chances são forçadas contra a repetição, no intervalo das distrações sem sentido e no pedido de aumento, ou demissão. A vida tá nos di-minutos momentos da pergunta se tá forte esse café.   O que que você quer.   E que é que a vida é.

Mãos

Quando era um bebê a humanidade estendeu o braço para tocar a realidade - segurou o dedo do pai tocou o rosto da mãe e ainda precisava se segurar. Precisava tocar e se perguntar "será se isso é real?" Tinha que se apoiar e estava sempre em desequilíbrio. Quando era jovem a humanidade estendia o braço para o cigarro, pras ferramentas e pro pecado. Ainda caía, mas já sabia como fazê-lo. Também gostava das artes - e com suas mãos enfileirava letras, jogava pigmento, usava a espada, ou regia um concerto concreto na escultura, além de massagear o próprio ego. No cair da noite a humanidade usa os dedos nas teclas de piano e escreve cartas para os falecidos. A humanidade conta as contas no terço ou as horas apontando para o ponteiro enquanto ronda a casa sozinho. Nessa idade ela estende o braço pra agarrar-se à realidade antes que caia, mas sempre esteve caindo - esteve nas mutações do tempo, boiando no leito do rio cega para fonte ou foz apenas pres

Family Tree

Can you see through all the branches? and breed with other species? Can you feed off the pieces that you took beyond the fences? Can you break out the egg, the shell, the shelter? Can you, without defenses? Is this tree a mess? Or is it better confusing to the senses, yet alright bursting out the chest, the clutches, the chances?

Balões

Aos doze anos de idade Bruno sonhou com sua mãe enquanto ela morria. No sonho ela usava um vestido laranja e estava de mãos dadas com um homem que tinha a pele azul-escura. O homem estava tranquilo, mas prendia com força a mão dela enquanto a levava para o fim de uma rua de uma cidade noturna. Esse era o sonho: Sua mãe indo embora levada por um homem cuja silhueta se misturava com o escuro e desaparecia. Até a cor vibrante do vestido perdia a saturação e o brilho com os passos em direção à noite. Mas mesmo separado por seis mil quilômetros e pelo sono, Bruno alcançou a mão livre de sua mãe e a segurou. Não deixaria que o homem azul-escuro a levasse para o outro lado, não enquanto pudesse resistir. Bruno puxou. Trouxe com força a mão dela pra perto, sem se importar que fosse levado junto. Não se separaria dela, não enquanto pudesse lutar. Mas era apenas um garoto de doze anos de idade, dentro de seu próprio sonho. O ceifeiro azul não desistiu, e dando um passo adiante fez com q

Verão

  Às onze horas da manhã a TV começou uma musiquinha deliciosa, e a mosca marcou o tempo acertando a cabeça na janela de vidro da cozinha. Os cachorros-quentes ficaram prontos. A fanfarra ritmou gotas de chuva num dia de sol. O começo de uma sinfonia cujo nome é verão. Havia chegado a estação de cheiros e de animais minúsculos marchando sob as folhas do jardim. O almoço estava pronto, e as crianças estavam na sala assistindo a um desses desenhos animados de bichos, onde o mais gordinho deles tropeçava ao som de tubas e trombones, atrapalhadinho, igual os filhos de Sarah.   Quatro, cinco e sete anos. Jéssica, Lucas e Alice, com as cabecinhas próximas à televisão. Só saíram do transe quando o cheiro de molho de tomate preencheu o ar. O ritmo era marcado pela mosca como um metrônomo, harmônico como a transição de cores no arco-íris e confortável numa manhã de chuva em família.   A estação de cheiros e luz. De alegrias, de brincadeiras e descobertas. E de loucura.  Com um movimento

Justa Causa

Minha justa causa é um luto pelos heróis de papel que morreram, pelos carros de brinquedo incendiados, pelo medo de demônios que em garotinhas se esconderam, e pelo excesso de repetição nas palavras achadas nas minhas posses, em meio às que outros escreveram. Os velhos desenhos de velhos e guerreiros com espadas estão na cruzada de se manterem válidos e vivos no arquivo morto do cotidiano de quem cresceu e acumulou coisas demais na gaveta, memórias pesadas e coisas de menos na prancheta. Mas são lutas crônicas cansadas.  Minha causa justa é o nascer. Descobrir o novo no antigo, É reabrir o livro, e se chocar Com as palavras cansadas de usar É botar pilhas novas no walkman E ouvir aquele disco favorito E com um sorriso... Ainda se fascinar. As personagens que usam máscaras Os guerreiros com espadas As lutas na campina O som dos tambores ao alvorecer Tudo isso vive em mim. Em meio a uma historia sem fim Também derrubo meus leões no coliseu, Tenho minhas

Pra deixar de ser porco

Uma ducha pra revelar o que em cada poro está escondido. Um banho pra limpar da poluição do cotidiano. E o porco Orwelliano  que andava em duas patas dava ordem em novafala como se fosse um humano. Instituiu: Todos animais são iguais, mas uns são mais iguais  que outros tantos. Tomei um banho.

Festa de boas vindas

Às quatro e trinta da manhã Seu Constantino já estava de pé, arrastando os chinelos no assoalho de madeira e indo de um lado pro outro, como seus pensamentos. Seus dentes estavam num copo d’água, e por isso ele não roia as unhas. Não era tanto nervosismo o que ele sentia, mas uma estranheza, como um viajante que acorda num quarto diferente. Neste caso era verdade, pois estava depositado no asilo como uma economia de família, um valor esquecido num banco de gente. Na noite anterior o enfermeiro havia explicado que os residentes gostam de preparar uma festa de boas-vindas para os novatos. Seu Constantino odiava festas de velhos. A única diferença entre sentar-se sozinho no quarto, ele pensava, era que na festa toda aquela gente velha se reunia num mesmo cômodo, mas estavam sozinhos. Era constrangedor. A experiência de oitenta e sete anos lhe ensinou que nessas ocasiões, a maioria ficava calada, parada, dormindo. Às vezes alguém colocava um Cauby Peixoto “pra dar uma animada”. Não f

Coadjuvantes

Juliano passa pelo caixa e paga pelas balas e pelo Dramin. Daqui eu não consigo ver o rosto dele, nem o da moça atrás da registradora. O ônibus tá tremendo e não dá pra ouvir as vozes deles também. Esfrego meus olhos e arrasto o corpo na poltrona que cheira a cigarro. Estou me sentindo amarrotado e fecho meus olhos. Estou empacotado pra outra cidade e só sei que dormi por que a saliva que escorreu pelo meu queixo deixou minha barba gelada, no cantinho da boca. Nem vi meu irmão se levantar e descer na parada. Nem o vi voltar e se sentar na poltrona ao meu lado. Eu odeio viajar de ônibus. Ainda mais quando é pra esse tipo de ocasião, um enterro. O ônibus balança e me sinto mais acordado, na direção de uma despedida. Foi o Juliano que me falou: “Arruma uma mala que vamos ter que viajar. A prima morreu.” Ha onze horas ele falou isso e agora está calmo do meu lado, ouvindo algum reggae nos fones de ouvido e batucando nas coxas. Não é como se eu me importasse, também. Sei lá. Eu go